sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A Filosofia das Ciências


Se um cão late a cada vez que passo, espero, com uma certa naturalidade, que volte a latir ao ver-me novamente. Este é um exemplo do raciocínio indutivo, em sua mais elementar manifestação. A partir de conhecimentos adquiridos por meio de certa amostra, constituída pelas ocasiões em que o cão já ladrou, eu chego a uma conclusão acerca de um caso não incluído na mostra – antecipando o que acontecerá numa ocasião futura.
 (BLACK. In: MORGEBESSER: 1985, p. 219)

A filosofia da ciência consiste no estudo da natureza da própria ciência, entendendo-se por natureza os métodos, conceitos, pressuposições, teorias e a sua função esquemática junto às outras disciplinas. Recentemente, discutem-se outras questões, como as relações sociais da ciência, em termos políticos, econômicos, artísticos e morais.
Aristóteles, segundo John Losee, na obra Introdução Histórica a Filosofia
da Ciência de 1979, foi o primeiro Filósofo da ciência. Aristóteles reuniu imensa coleção de observações sobre a natureza e a história durante a época em que dirigiu o Liceu. Tendo criado esta disciplina ao analisar certos problemas que surgem da explicação tida como científica, Aristóteles entendia a investigação
científica como o avanço das observações particulares em direção aos princípios gerais e universais, retornando em seguida às observações. Para ele, dentro do processo de investigação científica, o cientista deve induzir princípios explanatórios sobre os fenômenos a serem investigados, para então deduzir afirmações sobre os fenômenos observados na natureza.
 Aristóteles afirma que o mundo é o conjunto de movimento e mudança no qual todas as coisas estão envolvidas. Elas se movem e se desenvolvem por si mesmas. A physis é a causa a priori desse movimento, isto é, a base aristotélica de toda ciência é a metafísica. Existindo um primeiro motor que move sem ser movido, a partir desse primeiro impulso, todas as coisas mantêm o movimento por conta própria. Contudo, esta noção de natureza admitida por Aristóteles, bem como a física aristotélica foram criticadas, e depois refutadas pelos pensadores Renascentistas e pela Revolução Científica do século XVII. As disciplinas como a Física e a Matemática reivindicaram sua autonomia e seu status de Ciência. A nova metodologia científica passa a ancorar-se se na matemática e na geometria. As atenções se concentram nos resultados das experimentações científicas e nas metodologias utilizadas. Esse processo é identificado como mudança de paradigma.
Segundo o filósofo da ciência Thomas Samuel Kuhn (1978), paradigma é um conjunto sistemático de métodos, formas de experimentações, e teorias que constituem um modelo científico tornando-se condição reguladora da observação. O questionamento da teoria aristotélica e a elaboração de uma nova ciência fundada na matemática deu origem à ciência moderna. A leitura desse processo pode ser encontrada em vários autores, dos quais salientamos Thomas Samuel Kuhn.

Diferença entre Ciência Normal e Ciência Revolucionária

Entende-se como ciência normal um determinado período da história da ciência, em que um paradigma não está em crise. Ou seja, ciência normal é a tentativa de normatizar certos padrões, métodos e conceitos científicos com o intuito de padronizar as soluções de problemas de acordo com modelos “exemplares”. Conforme Kuhn, a ciência normal, funciona submetida por paradigmas estabelecidos historicamente num campo contextual de problemas e soluções concretas.
Os paradigmas são estabelecidos nos momentos de revolução científica como a Revolução Copernicana que sobrepôs a teoria geocêntrica de Ptolomeu pela heliocêntrica de Copérnico, o que denominamos de ciência revolucionária. Portanto, para Kuhn, a ciência se desenvolve por meio de rupturas, por saltos e não de maneira gradual e progressiva.
Ele rejeita a ideia de progresso científico a não ser pela criação de novos paradigmas. Assinala que a ciência se desenvolve nos momentos de ciência revolucionária quando o aparecimento de novos elementos, anomalias e fenômenos até então não estudados e impossíveis de explicar com as metodologias existentes, torna o paradigma vigente incapaz de dar conta do problema proposto; este paradigma entra em crise e sede espaço para outro modelo científico estabelecendo um novo paradigma, incomensurável em relação ao paradigma anterior. Para Kuhn (1978), a ideia de incomensurabilidade esta relacionada ao fato de que padrões científicos e definições são absolutamente diferentes para cada paradigma.
Kuhn foi influenciado pelo francês Gaston Bachelard (1884- 1962), filósofo da ciência, professor de história e filosofia da ciência de Sorborne, em Paris. Entretanto, os dois filósofos da ciência divergem, no sentido em que Bachelard, propunha que a ciência evolui por meio de rupturas epistemológicas. Assim a história da filosofia da ciência é estabelecida por descontinuidades, há um rompimento sistêmico, porém gradual que comporta parte da teoria anterior formando o novo com partes do antigo, por meio do acúmulo de conhecimentos.
Para Bachelard, o conhecimento científico transforma-se por meio de uma descontinuidade, a que ele denominou “Ruptura epistemológica”. Essa ruptura acontece quando um conjunto de métodos, conceitos, teorias, instrumentos e procedimentos não alcançam os resultados esperados, ou não dão conta dos problemas propostos. Torna-se necessário desenvolver um novo paradigma, o que atesta que o conhecimento científico prospera por saltos e rupturas. Além disso, o conhecimento científico avança por meio de constantes retificações das próprias teorias. Segundo Bachelard é necessário ter coragem de errar. É a partir da retificação de certos erros que um novo paradigma se estabelece. O erro faz parte de experiência científica:

Para o cientista, o conhecimento sai da ignorância tal como a luz sai das trevas. O cientista não vê que a ignorância é um tecido de erros positivos, tenazes solidários. Não vê que as trevas espirituais têm uma estrutura e que, nestas condições, toda experiência objetiva correta deve implicar sempre a correção de um erro subjetivo (...) o espírito científico só pode se construir destruindo o espírito não científico. (BACHELARD, 1979, p. 06)

Na obra A filosofia do não, Bachelard aponta que a filosofia do não, de forma alguma, está restrita meramente a recusa e a negação; pelo contrário, está mais para uma atitude de conciliação, que permitirá resumir simultaneamente o conhecimento sensível e o conhecimento científico. O processo de negação não implica no abandono das teorias anteriores, mas a tentativa de fazer com que elas convivam simultaneamente. Trata-se de uma superação, um ir além, e a aceitação do diverso. Compreender a noção de Bachelard de ruptura no conhecimento científico é entender de uma maneira totalmente nova a própria história do pensamento científico.

Sobre o progresso na ciência

É comum atualmente ouvirmos falar em avanço, ou progresso da ciência. Este fato está relacionado com algumas descobertas e inovações tecnológicas que sugerem ao inconsciente do senso comum que a ciência está evoluindo. Por outro lado, a despeito de situações como a poluição, efeito estufa, bomba de hidrogênio e o acesso aos remédios e as inovações tecnológicas também é comum notarmos a desilusão das pessoas com a ciência.
São múltiplos os aspectos a serem relacionados para se entender a dimensão do processo de produção e desenvolvimento do conhecimento científico. Entre outros podemos citar o financiamento da pesquisa científica; parte definida pelas políticas públicas, parte pela iniciativa privada olvidando o lucro e a produção de produtos para consumo; a formação da comunidade científica; a coleta empírica de dados e suas possíveis interpretações, juntamente com a elaboração de teorias.
Contudo, muitos dos epistemólogos e filósofos da ciência concordam quanto ao processo de produção do conhecimento científico não ser linear, ou seja, não há uma continuidade na linha ascensional, cumulativa, obtida por meio de um método científico. Neste viés, antiempirista, os filósofos da ciência Thomas Kuhn, Karl Popper, Imre Lakatos, Paul Feyrabend e Gaston Bachelard negam que a primordialidade do objeto do conhecimento tal qual ele é entendido pelo empirismo e também a supremacia do sujeito cognoscente sobre o objeto como quer o idealismo.
Eles concordam que o processo de produção do conhecimento científico é forjado pela interação não neutra entre sujeito e objeto. Estes autores inauguram uma concepção de conhecimento em que ele é entendido como uma pseudoverdade histórica, circunstanciada e não como uma verdade em correspondência com os fatos. O que desmistifica o conceito de ciência pronta, acabada, ou imutável.
Desta forma, a filosofia da ciência vem desmentindo a ideia de progresso ou evolução científica com base nos estudos sobre as transformações científicas, na sobreposição de paradigmas, nas rupturas epistemológicas e na descontinuidade dos processos de produção do conhecimento e da tecnologia. Portanto, quando um novo fato aparece no cenário científico provocando inovações e transformações teóricas e práticas, o intuito principal não é a lapidação e o melhoramento de uma teoria, mas sim sua substituição por outra mais adaptada aos interesses vigentes.
Além disso, quando falamos em progresso científico, este conceito está impregnado com o espírito positivista que acreditava no avanço da ciência para a melhoria da vida humana e das condições de existência no planeta. A influência desse pensamento pode ser notada na bandeira brasileira (ordem e progresso).
Contudo, é possível se falar em progresso científico? Estamos melhores que os antigos, com sua ciência clássica? Levando em consideração a poluição produzida pelas grandes indústrias, as patentes sobre a produção de medicamentos além de outros fatores, a ciência tem cumprido seu papel na melhoria da vida humana?

As Consequências Sociais e Políticas de uma Nova Ciência

Durante o período histórico chamado de Idade Média (século V ao XIII), a influência do catolicismo era dominante. A interpretação de filósofos como Aristóteles, estava submetida ao domínio da igreja. Desta forma, as especulações estavam restritas a questões espirituais, o modelo de compreensão do mundo era teocêntrico, ou seja, o mundo estava pretensamente centrado em Deus. As explicações aceitas eram baseadas em verdades reveladas, devidamente interpretadas pelos representantes da igreja.
Mas com o fortalecimento da burguesia a partir do século XII na Europa Ocidental, e o advento da ciência moderna um novo modelo de homem de sociedade foi aos poucos adotado. O modelo teocêntrico passou a ter um contraponto no modelo antropocêntrico, que coloca o homem e suas relações no centro da discussão, surgindo então o humanismo, isto ocorreu mais precisamente entre a segunda metade do século XIII e até meados do século XIV. As verdades reveladas foram igualmente enfrentadas pelas especulações racionais, observações dos fenômenos da natureza e formulações de teorias racionais.
Esse movimento científico, cultural e intelectual foi chamado de Renascimento, inspirado na cultura greco-romana. A ciência moderna não busca apenas conhecer a realidade e a gênese das coisas, mas, sobretudo, exercer influência e domínio sobre ela. Novos valores foram se desenvolvendo juntamente com a nova ciência. A burguesia rompendo com o clero, devido a interesses conflitantes, como a especulação econômica (pecado da usura) e a luta pelo poder, passou a financiar experimentos artísticos e científicos. Com o intuito de estruturar o novo modelo de sociedade.

Nos tempos modernos, a ciência é altamente considerada. Aparentemente há uma crença amplamente aceita de que há algo de especial a respeito da ciência e de seus métodos. A atribuição do termo “científico” a alguma afirmação, linha de raciocínio ou peça de pesquisa é feita de um modo que pretende implicar algum tipo de mérito ou um tipo especial de confiabilidade. Mas o que há de tão especial em relação à ciência? O que vem a ser esse “método científico” que leva a resultados especialmente meritórios ou confiáveis?
(CHALMERS, 1993. p 17)
De acordo com Chalmers, parte da estima conquistada pela ciência na modernidade está no fato de a ciência ter-se tornado a religião moderna, a partir das promessas de melhor qualidade de vida e de felicidade contidas no trabalho científico. A ideia de progresso contempla esta expectativa no âmbito do senso comum. Atualmente, podemos notar que em anúncios de produtos existe um forte apelo à autoridade da ciência, para garantir sua eficácia e comprovação, normalmente apoiando-se na imagem do cientista usando jaleco branco em seu laboratório.
Quando afirmamos que algo é cientificamente comprovado, estamos apelando para a autoridade cedida a ciência muito mais por uma crença popular do que por um método eficaz.
Por outro lado, fora da vida cotidiana, no plano escolar e acadêmico, a autoestima da ciência está ligada à defesa dos cientistas aos métodos utilizados, cuja confiabilidade está ligada aos resultados precisos das ciências. Contudo, se o método empírico se dá por meio da observação, coleta de dados e experimentos que geram procedimentos científicos comumente restritos aos laboratórios, esquadrinhando o mundo por meio de algarismos e fórmulas; o que dizer da eficácia desses métodos no campo das ciências humanas e sociais?
Os filósofos da ciência contemporâneos, principalmente Popper, Bachelard, Kuhn, Feyerabend e Lakatos comungam quanto à impossibilidade de comprovação de que alguma ciência mereça o status de verdadeira, ou segura de equívocos. Basta um breve vislumbre sobre a história da filosofia da ciência para notar todo tipo de contradição.

(Adaptação do Texto: Pensar a Ciência)

Referências:

BACHELARD, G. A filosofia do não. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
BENJAMIN, A. C, Filosofia da Ciência in Dicionário de Filosofia, (dir. Dagobert. D. Runes), 1.ed. Lisboa, Editorial Presença, 1990.
CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.
HUME, D. Investigação Acerca do Entendimento Humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Col. Os Pensadores).
LOSEE, J. Introdução histórica à Filosofia da Ciência. São Paulo: Editora da Universidade São Paulo, 1979.
MARX, K. Manifesto comunista. São Paulo: CHED, 1990.
MORGENBESSER, S.(Org.) Filosofia da Ciência. São Paulo: Editora Cultrix. 1985.

Nenhum comentário:

Postar um comentário