Se
um cão late a cada vez que passo, espero, com uma certa naturalidade, que volte
a latir ao ver-me novamente. Este é um exemplo do raciocínio indutivo, em sua
mais elementar manifestação. A partir de conhecimentos adquiridos por meio de
certa amostra, constituída pelas ocasiões em que o cão já ladrou, eu chego a
uma conclusão acerca de um caso não incluído na mostra – antecipando o que
acontecerá numa ocasião futura.
(BLACK. In: MORGEBESSER: 1985, p. 219)
A
filosofia da ciência consiste no estudo da natureza da própria ciência, entendendo-se
por natureza os métodos, conceitos, pressuposições, teorias e a sua função
esquemática junto às outras disciplinas. Recentemente, discutem-se outras questões,
como as relações sociais da ciência, em termos políticos, econômicos,
artísticos e morais.
Aristóteles,
segundo John Losee, na obra Introdução Histórica a Filosofia
da Ciência de 1979,
foi o primeiro Filósofo da ciência. Aristóteles reuniu imensa coleção de
observações sobre a natureza e a história durante a época em que dirigiu o
Liceu. Tendo criado esta disciplina ao analisar certos problemas que surgem da
explicação tida como científica, Aristóteles entendia a investigação
científica como o
avanço das observações particulares em direção aos princípios gerais e
universais, retornando em seguida às observações. Para ele, dentro do processo
de investigação científica, o cientista deve induzir princípios explanatórios
sobre os fenômenos a serem investigados, para então deduzir afirmações sobre os
fenômenos observados na natureza.
Aristóteles afirma que o mundo é o conjunto de
movimento e mudança no qual todas as coisas estão envolvidas. Elas se movem e
se desenvolvem por si mesmas. A physis
é a causa a priori desse movimento, isto é, a base aristotélica de toda ciência
é a metafísica. Existindo um primeiro motor que move sem ser movido, a partir
desse primeiro impulso, todas as coisas mantêm o movimento por conta própria. Contudo,
esta noção de natureza admitida por Aristóteles, bem como a física aristotélica
foram criticadas, e depois refutadas pelos pensadores Renascentistas e pela
Revolução Científica do século XVII. As disciplinas como a Física e a Matemática
reivindicaram sua autonomia e seu status de Ciência. A nova metodologia
científica passa a ancorar-se se na matemática e na geometria. As atenções se
concentram nos resultados das experimentações científicas e nas metodologias
utilizadas. Esse processo é identificado como mudança de paradigma.
Segundo
o filósofo da ciência Thomas Samuel Kuhn (1978), paradigma é um conjunto
sistemático de métodos, formas de experimentações, e teorias que constituem um
modelo científico tornando-se condição reguladora da observação. O questionamento
da teoria aristotélica e a elaboração de uma nova ciência fundada na matemática
deu origem à ciência moderna. A leitura desse processo pode ser encontrada em vários
autores, dos quais salientamos Thomas Samuel Kuhn.
Diferença entre Ciência Normal e
Ciência Revolucionária
Entende-se
como ciência normal um determinado período da história da ciência, em que um
paradigma não está em crise. Ou seja, ciência normal é a tentativa de
normatizar certos padrões, métodos e conceitos científicos com o intuito de
padronizar as soluções de problemas de acordo com modelos “exemplares”.
Conforme Kuhn, a ciência normal, funciona submetida por paradigmas estabelecidos
historicamente num campo contextual de problemas e soluções concretas.
Os
paradigmas são estabelecidos nos momentos de revolução científica como a
Revolução Copernicana que sobrepôs a teoria geocêntrica de Ptolomeu pela
heliocêntrica de Copérnico, o que denominamos de ciência revolucionária.
Portanto, para Kuhn, a ciência se desenvolve por meio de rupturas, por saltos e
não de maneira gradual e progressiva.
Ele
rejeita a ideia de progresso científico a não ser pela criação de novos paradigmas.
Assinala que a ciência se desenvolve nos momentos de ciência revolucionária
quando o aparecimento de novos elementos, anomalias e fenômenos até então não
estudados e impossíveis de explicar com as metodologias existentes, torna o
paradigma vigente incapaz de dar conta do problema proposto; este paradigma
entra em crise e sede espaço para outro modelo científico estabelecendo um novo
paradigma, incomensurável em relação ao paradigma anterior. Para Kuhn (1978), a
ideia de incomensurabilidade esta relacionada ao fato de que padrões
científicos e definições são absolutamente diferentes para cada paradigma.
Kuhn
foi influenciado pelo francês Gaston Bachelard (1884- 1962), filósofo da
ciência, professor de história e filosofia da ciência de Sorborne, em Paris.
Entretanto, os dois filósofos da ciência divergem, no sentido em que Bachelard,
propunha que a ciência evolui por meio de rupturas epistemológicas. Assim a
história da filosofia da ciência é estabelecida por descontinuidades, há um
rompimento sistêmico, porém gradual que comporta parte da teoria anterior
formando o novo com partes do antigo, por meio do acúmulo de conhecimentos.
Para
Bachelard, o conhecimento científico transforma-se por meio de uma
descontinuidade, a que ele denominou “Ruptura epistemológica”. Essa ruptura
acontece quando um conjunto de métodos, conceitos, teorias, instrumentos e
procedimentos não alcançam os resultados esperados, ou não dão conta dos
problemas propostos. Torna-se necessário desenvolver um novo paradigma, o que
atesta que o conhecimento científico prospera por saltos e rupturas. Além
disso, o conhecimento científico avança por meio de constantes retificações das
próprias teorias. Segundo Bachelard é necessário ter coragem de errar. É a
partir da retificação de certos erros que um novo paradigma se estabelece. O
erro faz parte de experiência científica:
Para o cientista, o
conhecimento sai da ignorância tal como a luz sai das trevas. O cientista não
vê que a ignorância é um tecido de erros positivos, tenazes solidários. Não vê
que as trevas espirituais têm uma estrutura e que, nestas condições, toda
experiência objetiva correta deve implicar sempre a correção de um erro
subjetivo (...) o espírito científico só pode se construir destruindo o
espírito não científico. (BACHELARD, 1979, p. 06)
Na
obra A filosofia do não, Bachelard aponta que a filosofia do não, de forma
alguma, está restrita meramente a recusa e a negação; pelo contrário, está mais
para uma atitude de conciliação, que permitirá resumir simultaneamente o
conhecimento sensível e o conhecimento científico. O processo de negação não implica
no abandono das teorias anteriores, mas a tentativa de fazer com que elas
convivam simultaneamente. Trata-se de uma superação, um ir além, e a aceitação
do diverso. Compreender a noção de Bachelard de ruptura no conhecimento científico
é entender de uma maneira totalmente nova a própria história do pensamento
científico.
Sobre o progresso na ciência
É
comum atualmente ouvirmos falar em avanço, ou progresso da ciência. Este fato
está relacionado com algumas descobertas e inovações tecnológicas que sugerem
ao inconsciente do senso comum que a ciência está evoluindo. Por outro lado, a
despeito de situações como a poluição, efeito estufa, bomba de hidrogênio e o
acesso aos remédios e as inovações tecnológicas também é comum notarmos a
desilusão das pessoas com a ciência.
São
múltiplos os aspectos a serem relacionados para se entender a dimensão do
processo de produção e desenvolvimento do conhecimento científico. Entre outros
podemos citar o financiamento da pesquisa científica; parte definida pelas
políticas públicas, parte pela iniciativa privada olvidando o lucro e a
produção de produtos para consumo; a formação da comunidade científica; a
coleta empírica de dados e suas possíveis interpretações, juntamente com a
elaboração de teorias.
Contudo,
muitos dos epistemólogos e filósofos da ciência concordam quanto ao processo de
produção do conhecimento científico não ser linear, ou seja, não há uma continuidade
na linha ascensional, cumulativa, obtida por meio de um método científico.
Neste viés, antiempirista, os filósofos da ciência Thomas Kuhn, Karl Popper,
Imre Lakatos, Paul Feyrabend e Gaston Bachelard negam que a primordialidade do
objeto do conhecimento tal qual ele é entendido pelo empirismo e também a
supremacia do sujeito cognoscente sobre o objeto como quer o idealismo.
Eles
concordam que o processo de produção do conhecimento científico é forjado pela
interação não neutra entre sujeito e objeto. Estes autores inauguram uma
concepção de conhecimento em que ele é entendido como uma pseudoverdade
histórica, circunstanciada e não como uma verdade em correspondência com os
fatos. O que desmistifica o conceito de ciência pronta, acabada, ou imutável.
Desta
forma, a filosofia da ciência vem desmentindo a ideia de progresso ou evolução
científica com base nos estudos sobre as transformações científicas, na
sobreposição de paradigmas, nas rupturas epistemológicas e na descontinuidade
dos processos de produção do conhecimento e da tecnologia. Portanto, quando um
novo fato aparece no cenário científico provocando inovações e transformações
teóricas e práticas, o intuito principal não é a lapidação e o melhoramento de
uma teoria, mas sim sua substituição por outra mais adaptada aos interesses
vigentes.
Além
disso, quando falamos em progresso científico, este conceito está impregnado
com o espírito positivista que acreditava no avanço da ciência para a melhoria
da vida humana e das condições de existência no planeta. A influência desse
pensamento pode ser notada na bandeira brasileira (ordem e progresso).
Contudo,
é possível se falar em progresso científico? Estamos melhores que os antigos,
com sua ciência clássica? Levando em consideração a poluição produzida pelas
grandes indústrias, as patentes sobre a produção de medicamentos além de outros
fatores, a ciência tem cumprido seu papel na melhoria da vida humana?
As Consequências Sociais e
Políticas de uma Nova Ciência
Durante
o período histórico chamado de Idade Média (século V ao XIII), a influência do
catolicismo era dominante. A interpretação de filósofos como Aristóteles,
estava submetida ao domínio da igreja. Desta forma, as especulações estavam
restritas a questões espirituais, o modelo de compreensão do mundo era teocêntrico,
ou seja, o mundo estava pretensamente centrado em Deus. As explicações aceitas
eram baseadas em verdades reveladas, devidamente interpretadas pelos
representantes da igreja.
Mas
com o fortalecimento da burguesia a partir do século XII na Europa Ocidental, e
o advento da ciência moderna um novo modelo de homem de sociedade foi aos poucos
adotado. O modelo teocêntrico passou a ter um contraponto no modelo
antropocêntrico, que coloca o homem e suas relações no centro da discussão,
surgindo então o humanismo, isto ocorreu mais precisamente entre a segunda
metade do século XIII e até meados do século XIV. As verdades reveladas foram
igualmente
enfrentadas pelas especulações racionais, observações dos fenômenos da natureza
e formulações de teorias racionais.
Esse
movimento científico, cultural e intelectual foi chamado de Renascimento,
inspirado na cultura greco-romana. A ciência moderna não busca apenas conhecer
a realidade e a gênese das coisas, mas, sobretudo, exercer influência e domínio
sobre ela. Novos valores foram se desenvolvendo juntamente com a nova ciência.
A burguesia rompendo com o clero, devido a interesses conflitantes, como a
especulação econômica (pecado da usura) e a luta pelo poder, passou a financiar
experimentos artísticos e científicos. Com o intuito de estruturar o novo
modelo de sociedade.
Nos tempos modernos,
a ciência é altamente considerada. Aparentemente há uma crença amplamente
aceita de que há algo de especial a respeito da ciência e de seus métodos. A
atribuição do termo “científico” a alguma afirmação, linha de raciocínio ou
peça de pesquisa é feita de um modo que pretende implicar algum tipo de mérito
ou um tipo especial de confiabilidade. Mas o que há de tão especial em relação
à ciência? O que vem a ser esse “método científico” que leva a resultados
especialmente meritórios ou confiáveis?
(CHALMERS,
1993. p 17)
De
acordo com Chalmers, parte da estima conquistada pela ciência na modernidade
está no fato de a ciência ter-se tornado a religião moderna, a partir das
promessas de melhor qualidade de vida e de felicidade contidas no trabalho
científico. A ideia de progresso contempla esta expectativa no âmbito do senso
comum. Atualmente, podemos notar que em anúncios de produtos existe um forte
apelo à autoridade da ciência, para garantir sua eficácia e comprovação,
normalmente apoiando-se na imagem do cientista usando jaleco branco em seu
laboratório.
Quando
afirmamos que algo é cientificamente comprovado, estamos apelando para a
autoridade cedida a ciência muito mais por uma crença popular do que por um
método eficaz.
Por
outro lado, fora da vida cotidiana, no plano escolar e acadêmico, a autoestima
da ciência está ligada à defesa dos cientistas aos métodos utilizados, cuja
confiabilidade está ligada aos resultados precisos das ciências. Contudo, se o
método empírico se dá por meio da observação, coleta de dados e experimentos
que geram procedimentos científicos comumente restritos aos laboratórios,
esquadrinhando o mundo por meio de algarismos e fórmulas; o que dizer da
eficácia desses métodos no campo das ciências humanas e sociais?
Os
filósofos da ciência contemporâneos, principalmente Popper, Bachelard, Kuhn,
Feyerabend e Lakatos comungam quanto à impossibilidade de comprovação de que alguma
ciência mereça o status de verdadeira, ou segura de equívocos. Basta um breve
vislumbre sobre a história da filosofia da ciência para notar todo tipo de
contradição.
(Adaptação
do Texto: Pensar a Ciência)
Referências:
BACHELARD,
G. A filosofia do não.
In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
BENJAMIN,
A. C, Filosofia da Ciência in
Dicionário de Filosofia, (dir. Dagobert. D. Runes), 1.ed. Lisboa, Editorial
Presença, 1990.
CHALMERS,
A. F. O que é ciência afinal? São
Paulo: Editora Brasiliense, 1993.
HUME,
D. Investigação Acerca do Entendimento
Humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
(Col. Os Pensadores).
LOSEE,
J. Introdução histórica à Filosofia da
Ciência. São Paulo: Editora da Universidade
São Paulo, 1979.
MARX,
K. Manifesto comunista.
São Paulo: CHED, 1990.
MORGENBESSER,
S.(Org.) Filosofia da Ciência.
São Paulo: Editora Cultrix. 1985.
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